Nos últimos meses, a notícia de que havia sido publicada uma “lei” proibindo a exposição de animais em vitrines de pet shops tomou conta da mídia e das redes sociais.
Recebida com festa pela maioria absoluta dos leigos - e até por alguns profissionais da área jurídica - a Resolução CFMV n° 1.069/14, na verdade, ...não traz qualquer norma proibitiva para as empresas que desenvolvem atividades no ramo de prestação de serviços, venda ou doação de animais. Na verdade, o que se tem é um rol de obrigações impingidas ao profissional “responsável técnico” pelo estabelecimento, que se descumpridas podem acarretar multa e infração disciplinar.
Sabemos que para abrir uma empresa é necessário cumprir com algumas exigências impostas pelo Poder Público. No caso das lojas de animais ou pet shops, as exigências incluem, além do cumprimento de normas federais, estaduais e municipais, a observância de resoluções da ANVISA e do Conselho Federal de Medicina Veterinária(1).
Entre as diversas resoluções do Conselho Federal de Medicina que devem ser observadas pelas empresas do ramo pet está a Resolução n° 1.069/14, que estabelece critérios para essas empresas no trato com animais disponibilizados para venda ou doação, visando a saúde e o bem estar dos mesmos.
Infelizmente, ao contrário do que foi veiculado na mídia, a Resolução não traz qualquer norma cogente no sentido de proibir a exposição de animais em vitrines de pet shops. O que se extrai do seu texto é o estabelecimento de critérios que devem ser observados em relação à “exposição, manutenção, higiene, estética e venda ou doação de animais por estabelecimentos comerciais, no intuito de garantir a segurança, a saúde e o bem-estar” dos bichinhos(2). E a Resolução atribui ao responsável técnico, no caso o médico veterinário, o dever de assegurar o cumprimento dos critérios determinados pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária.
No que diz respeito ao “bem estar”, a própria Resolução o conceitua como sendo “o estado do animal em relação às suas tentativas de se adaptar ao meio ambiente, considerando liberdade para expressar seu comportamento natural e ausência de fome, sede, desnutrição, doenças, ferimentos, dor ou desconforto, medo e estresse.”(3). Caberá, portanto, ao veterinário responsável pelo estabelecimento comercial verificar se os animais estão sendo expostos de maneira que não viole a sua integridade, tanto física quanto mental(4).
É o veterinário, portanto, o destinatário da Resolução n° 1.069/14 do CFMV, pois a ele compete, enquanto responsável técnico, assegurar a qualidade das instalações e locais de manutenção dos animais(5), assegurar os aspectos sanitários do estabelecimento comercial(6), assegurar a inspeção diária obrigatória do bem-estar e saúde dos animais(7), supervisionar os procedimentos de higiene e estética em consonância com as exigências contidas nos manuais de responsabilidade técnica dos respectivos Conselhos Regionais de Medicina Veterinária(8) e, quando da comercialização e doação, orientar para que se previna o acesso direto aos animais em exposição, ficando o contato restrito a situações de venda iminente(9). Talvez tenha sido essa última atribuição a responsável pelo mal entendido sobre a existência de “lei” proibindo a exposição de animais em pets.
Portanto, é preciso esclarecer que a famigerada Resolução n° 1.069/14 do CFMV não impõe aos estabelecimentos comerciais qualquer proibição em relação à exposição de animais para venda ou doação. O que se tem é a atribuição ao veterinário responsável no dever de orientar as empresas que estejam sob sua supervisão técnica para que, ao doarem ou venderem animais, o façam dentro das diretrizes do CFMV, visando sempre o bem estar e a saúde dos bichinhos(10).
Em conclusão, resta mencionar que sendo constatada qualquer irregularidade em estabelecimentos que exponham animais para venda ou doação, tais como superlotação em gaiolas, falta de higiene, animais doentes, etc; é possível formular denúncia para os Conselhos Regionais de Medicina Veterinária a fim de que os mesmos adotem providências, pois a Resolução n° 1.069/14 do CFMV prevê, além de processo ético disciplinar para o responsável técnico, a aplicação de multa para o estabelecimento comercial infrator(11).
Notas:
(1) Legislação específica para o setor de lojas de animais e pet shops
Resolução CFMV N.º 683/2001: Institui a regulamentação para concessão da "Anotação de Responsabilidade Técnica" no âmbito de serviços inerentes à Profissão de Médico Veterinário; Resolução CFMV nº 642/1997: Dispõe sobre unidade móvel de atendimento médico veterinário; Resolução CFMV nº 670/2000: Estabelece as atividades desenvolvidas pelas Clínicas Veterinárias; Resolução nº 656/1999: Estabelece critérios para a emissão de atestados e/ou carteiras de vacinação para caninos e felinos; Portaria MAPA nº 301/1996: Normas complementares do regulamento de fiscalização de produtos veterinários e dos estabelecimentos que os fabriquem e/ou comerciem; Decreto Nº 1.662/1995: Aprova o regulamento anexo de fiscalização de produtos de uso veterinário e dos estabelecimentos que os fabriquem e/ou comerciem.
Há, ainda, determinações em âmbito estadual para este setor comercial, devendo ser apuradas em cada estado.
(2) RESOLUÇÃO CFMV Nº 1069, DE 27 DE OUTUBRO DE 2014. Art. 1º Estabelecer os princípios que todos aqueles envolvidos com a exposição, manutenção, higiene, estética e venda ou doação de animais por estabelecimentos comerciais devem adotar para promover a segurança, a saúde e o bem-estar dos animais sob seus cuidados.
(3) Art. 3º Entende-se por bem-estar o estado do animal em relação às suas tentativas de se adaptar ao meio ambiente, considerando liberdade para expressar seu comportamento natural e ausência de fome, sede, desnutrição, doenças, ferimentos, dor ou desconforto, medo e estresse.
(4) Mencionamos a questão da integridade “mental” dos animais, pois a própria Resolução considera que “os animais envolvidos no processo de comercialização são seres sencientes”.
(5) Art. 5º O responsável técnico deve assegurar que as instalações e locais de manutenção dos animais: I - proporcionem um ambiente livre de excesso de barulho, com luminosidade adequada, livre de poluição e protegido contra intempéries ou situações que causem estresse aos animais; II - garantam conforto, segurança, higiene e ambiente saudável; III - possuam proteção contra corrente de ar excessiva e mantenham temperatura e umidade adequadas; IV - sejam seguras, minimizando o risco de acidentes e incidentes e de fuga; V - possuam plano de evacuação rápida do ambiente em caso de emergência, seguindo normas específicas; VI - permitam fácil acesso à água e alimentos e sejam de fácil higienização; VII - permitam a alocação dos animais por idade, sexo, espécie, temperamento e necessidades; VIII - possuam espaço suficiente para os animais se movimentarem, de acordo com as suas necessidades; IX - sejam providas de enriquecimento ambiental efetivo de acordo com a espécie alojada.
(6) Art. 6º O responsável técnico deve assegurar os aspectos sanitários do estabelecimento, com especial atenção para: I - evitar a presença de animais com potencial risco de transmissão de zoonoses ou doenças de fácil transmissão para as espécies envolvidas; II - manutenção de programa de higienização constante das instalações e animais; III - respeito aos programas de imunização dos animais de acordo com a espécie; IV - encaminhamento dos animais que necessitem de tratamento para os estabelecimentos adequados, conforme Resolução CFMV nº 1015, de 2012, ou outra que a altere ou substitua; V - exigência de detalhes com relação à procedência e idade mínima dos animais e respeito à idade mínima para permanência nos estabelecimentos; VI - programa de imunização e fornecimento de equipamentos de proteção individual e coletiva para os funcionários, de acordo com as atividades realizadas; VII - controle integrado de animais sinantrópicos nocivos nas instalações por empresa especializada, devidamente licenciada pelos órgãos competentes; VIII - manter programa de descarte de resíduos que atenda a legislação específica;
(7) Art. 9º O responsável técnico deve assegurar a inspeção diária obrigatória do bem-estar e saúde dos animais, observando que: I - a inspeção diária por pessoal treinado deve observar se os animais apresentam comportamento considerado normal para a espécie (ingestão de alimentos e água, defecação, micção, manutenção ou ganho do peso corpóreo e movimentação espontânea); II - deve haver protocolo para comunicar o registro de qualquer alteração no estado do animal e adoção das medidas cabíveis; III - os cuidados veterinários devem ser realizados em ambiente específico, sem contato com o público ou outros animais e respeitando o previsto na Resolução CFMV nº 1015, de 2012, ou outra que altere ou substitua; IV - deve existir programa de controle de endo e ectoparasitas durante a permanência dos animais nos estabelecimentos comerciais.
(8) Art. 7º Com relação aos animais submetidos a procedimentos de higiene e estética, o responsável técnico pelo serviço deve: I - supervisionar a elaboração de manual de boas práticas que contemple as necessidades básicas das espécies em questão e de instrumento de registro e acompanhamento das atividades desenvolvidas, observadas as exigências contidas nos manuais de responsabilidade técnica dos respectivos CRMVs.
(9) Art. 8º Com relação à venda ou doação de animais, o responsável técnico deve: I - oferecer informações sobre hábitos, fatores estressantes, espaços de recintos, formas de ambientação e demais cuidados específicos sobre a espécie em questão; II - orientar o estabelecimento quanto à necessidade de formalização de termo de contrato de compra e venda ou doação; III - garantir a comercialização somente de animais devidamente imunizados e desverminados, considerando protocolo específico para a espécie em questão; IV - verificar a identificação dos animais de acordo com a espécie, conforme legislação específica; V - disponibilizar a carteira de imunização emitida por Médico Veterinário, conforme artigo 4º da Resolução CFMV nº 844, de 2006, ou outra que altere ou substitua, com detalhes de datas e prazos; VI - orientar para que se previna o acesso direto aos animais em exposição, ficando o contato restrito a situações de venda iminente; VII - assegurar que animais com alteração comportamental decorrente de estresse sejam retirados de exposição, mantidos em local tranquilo e adequado, sem contato com o público, até que retorne ao estado de normalidade; VIII - exigir documentação auditável que comprove a devida sanidade dos animais admitidos no estabelecimento, conforme artigo 3º da Resolução CFMV nº 844, de 2006, ou outra que a altere ou substitua; IX - não permitir a venda ou doação de fêmeas gestantes e de animais que tenham sido submetidos a procedimentos proibidos pelo CFMV.
(10) Art. 11. Sem prejuízo das obrigações e deveres contidos nos manuais de responsabilidade técnica dos CRMVs, o responsável técnico fica obrigado a comunicar formalmente ao estabelecimento as irregularidades identificadas e as respectivas orientações saneadoras. §1º Caso o estabelecimento não atenda as orientações prestadas pelo responsável técnico, este deverá comunicar ao CRMV de sua jurisdição. [...]
(11) Art. 12. Os estabelecimentos e profissionais médicos veterinários que não cumprirem os requisitos definidos nesta Resolução estão sujeitos à incidência de multa, conforme a Resolução CFMV nº 682, de 16 de março de 2001, e outras que a alterem ou complementem. Art. 13. Sem prejuízo das sanções pecuniárias previstas no artigo 12, os responsáveis técnicos que contrariem o disposto nesta Resolução cometem infração ética e estarão sujeitos a processo ético-profissional.