quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

CASAMENTO POR PROCURAÇÃO


 O casamento “é o contrato de direito de família que regula a vida em comum” entre os nubentes(1), podendo ser celebrado na sede do cartório, pelo juiz de paz(2), ou em templo religioso pela sua autoridade ou ministro(3), observadas as exigências previstas em lei.

A procuração, por sua vez, é o documento por meio do qual alguém designa um terceiro para agir em seu nome. A... procuração pode ser particular, quando redigida pelo próprio outorgante, ou pública, quando realizada em tabelionato.

Em se tratando de casamento civil, ou seja, aquele realizado em cartório, ocorrendo a impossibilidade de comparecimento de um ou ambos os nubentes na solenidade, a lei permite que se façam representar por procurador constituído por procuração pública com poderes especiais.

Se ambos os nubentes não puderem comparecer na solenidade, será necessário que cada um seja representado por um procurador distinto em razão de ser o casamento um contrato bilateral, ou seja, que contempla duas manifestações de vontade para se perfectibilizar(4).

A procuração deverá ser necessariamente realizada por instrumento público, ou seja, lavrada pelo Tabelião de Notas, e terá validade de 90 dias(5). O instrumento deverá indicar de forma inequívoca o outro contraente mencionando, além do nome completo, a nacionalidade, a filiação, profissão, estado civil, dados de RG e CPF e endereço.

Se o mandato compreender o processo de habilitação para o casamento(6), deverá constar na procuração poderes para a indicação do regime de bens e assinatura de pacto antenupcial, caso o regime não seja o da comunhão parcial.

Em se tratando de procuração firmada por estrangeiro, em seu país de origem, no qual constitui mandatário para representá-lo em solenidade a ser realizada perante autoridade cartorária brasileira, o documento deverá ser submetido à tradução juramentada, juntamente com a certidão de nascimento atualizada - ou documento equivalente no país de origem - e, após, ser registrado no cartório de título e documentos(7).

Finalmente, resta dizer que, observados os requisitos legais, o casamento realizado por procuração é plenamente válido e eficaz, ou seja, realizada a solenidade, os representados estarão casados para todos os fins legais!

Notas:
(1) Conceito de casamento segundo Pontes de Miranda (Tratado, t. VII, § 765, n. 8, p. 210): “É o contrato de direito de família que regula a vida em comum (não só sexual) entre o varão e a mulher”. Suprimimos a última parte em razão da possibilidade de celebração do casamento entre pessoas do mesmo sexo, conforme Resolução n. 175, de 14 de maio de 2013, aprovada durante a 169ª Sessão Plenária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em plena vigência desde 16/05/2013.
(2) “Juiz de Paz” é o “juiz que tem competência para atuar nos procedimentos administrativos de habilitação de casamento [...] de acordo com o que estabelece a CF 98 II, que contém preceito cogente, determinando aos Estados a criação da justiça de paz. O juiz de paz é eleito entre os cidadãos maiores de vinte e um anos (CF 14 § 3º, VI, c), temporariamente (tem mandato), podendo celebrar casamentos, decidir, sem caráter jurisdicional, sobre a habilitação e suas impugnações e auxiliar em conciliações.” (NERY JUNIOR, Nelson. Código Civil Comentado. 6. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais; p. 1031)
(3) Lei 6.015/73 - Art. 71. “Os nubentes habilitados para o casamento poderão pedir ao oficial que lhe forneça a respectiva certidão, para se casarem perante autoridade ou ministro religioso, nela mencionando o prazo legal de validade da habilitação.”
(4) LEAL, José Hildor. “Casamento por Procuração – validade e eficácia.” Colégio Notarial do Brasil. Artigo publicado em 13/01/2011. Disponível em <www.notariado.org.br/blog/?link=visualizaArtigo&cod=210>
(5) Lei 10.406/2002- Código Civil. Art. 1.542. “O casamento pode celebrar-se mediante procuração, por instrumento público, com poderes especiais. [...] § 3o A eficácia do mandato não ultrapassará noventa dias.”
(6) Lei 10.406/2002- Código Civil. Art. 1.525. O requerimento de habilitação para o casamento será firmado por ambos os nubentes, de próprio punho, ou, a seu pedido, por procurador, e deve ser instruído com os seguintes documentos: [...]
(7) Em se tratando de casamento de estrangeiros, o Decreto-Lei n° 4.657/1942 determina que “realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração” (Art. 7°, §1°).

sábado, 3 de janeiro de 2015

LIBERDADE PARA “SANDRA” E UM PRECEDENTE JURISPRUDENCIAL INÉDITO PARA O DIREITO ANIMAL


Sandra, uma orangotango fêmea de 29 anos, encarcerada há pelo menos 20 anos no Zoo de Buenos Aires (Argentina), será transferida para um santuário natural no Brasil para poder viver com mais liberdade e sem ser exibida ao público(1).
 
A liberação do animal foi possível graças a impetração de um HABEAS CORPUS por uma associação de defesa dos direitos dos animais da Argentina, a AFADA(2).
 
Em sua solicitação, a AFADA argumentou que Sandra "estava sofrendo com o cativeiro e por ser exibida às pessoas que visitam o zoológico de Palermo”(3). Ainda, alegou o confinamento injustificado do animal e pediu que a primata pudesse viver entre os seus pares e em um local adequado, já que a orangotango estava "privada de liberdade de forma ilegal”, ou seja, estava presa(4).
 
Em SENTENÇA INÉDITA, proferida em 18/12/2014, a Câmara de Cassação Penal da Corte Suprema de Justiça da Argentina decidiu que o habeas corpus deveria ser julgado PROCEDENTE no caso de Sandra, pois se tratava de "confinamento injustificado de um animal com provada capacidade cognitiva"(5).
 
A decisão da “Sala II de la Cámara de Casación Penal” considerou a primata como sujeito de direitos na condição de “pessoa não humana”, tendo destacado que “a partir de uma interpretação jurídica dinâmica e não estática, é preciso reconhecer aos animais o caráter do sujeito de direito, pois os sujeitos não-humanos (animais) são titulares de direitos, pelo que se impõe sua proteção no âmbito das competências correspondentes.”(6)
 
Importante destacar, porém, que conforme determinação da própria Câmara Penal, “a declaração de 'sujeito não humano', não poderá ser extensível para outros animais, aplicando-se somente ao caso de Sandra e demais grandes primatas, os quais possuem 96% de identidade genética com os seres humanos.”(7)
 
Para a justiça Argentina, assim como para o resto da jurisprudência internacional, “os animais são abrangidos pelo regime da propriedade privada e não são suscetíveis de desfrutar de direitos ou status legal, como ocorre com indivíduos ou empresas.”(4) Por essa razão, a decisão proferida no final do mês de dezembro de 2014 é um importante precedente jurídico não só para o direito dos animais argentino, mas para toda a América Latina.
 
No Brasil, da mesma forma, a lei civil classifica os animais como coisa móvel semovente(8) reforçando o paradigma de serem os mesmos propriedade do homem e não sujeitos de direitos(9).
Assim, acreditamos (e torcemos para) que o caso Sandra atraia reflexões sobre o atual tratamento jurídico dispensado aos animais pela jurisprudência e legislação civil brasileira, reconhecendo os mesmos como seres sencientes e retirando-lhe a condição de mera “coisa”, de mera propriedade, colocados à disposição do ser humano.
 
 
 
Notas:
(1) Segundo a ONG AFADA, o sofrimento de Sandra com a sua situação de cativeiro e exposição é perceptível por meio das fotos e filmagens realizadas no Zoo de Buenos Aires. Veja o vídeo gravado por um visitante do zoológico, entitulado “Mono orangutan triste mirando a la camara” e postado em março de 2012 no Youtube: <https://www.youtube.com/watch?v=lYp2jDnhAVA>
(2) Asociación de Funcionarios y Abogados por los Derechos de los Animales (AFADA) - www.afadaong.org
(3) Clarín.com - " 'Habeas corpus' libera orangotango de Zoológico em Buenos Aires”. Disponível em <http://ios.clarin.com/…/Habeas-orangotango-Zoologico-Buenos…>
(4) Lanación.com - “Conceden un hábeas corpus a una orangutana”. Disponível em <http://www.lanacion.com.ar/1754353-conceden-un-habeas-corpu…>
(5) El Argentino - “La Justicia reconoció a una orangutana del Zoológico como persona jurídica”- Periódico de distribuição gratuita em Buenos Aires, publicação de 22/12/2014, página 9. Imagem nesta postagem.
(6) Infobae - “La Justicia declaró a la orangutana del zoo porteño "sujeto no humano": podrá vivir en libertad”. O tribunal argumentou que se baseou no livro do juiz do Supremo Tribunal de Justiça, Raúl Zaffaroni , chamado Direito Penal . Geral, e do Partido Pachamama eo Humano. Enquanto isso, a resolução foi assinada pelos juízes Alejandro Slokar , Angela e Peter David Ledesma”. Disponível em <http://www.infobae.com/…/1616511-la-justicia-declaro-la-ora…>
(7) La Razon - “La Orangutana, después del fallo inédito” - Periódico de distribuição gratuita em Buenos Aires, publicação de 23/12/2014, página 6. Imagem nesta postagem.
(8) Lei 10.406/2002. CÓDIGO CIVIL. Art. 82. “São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social”.
(9) Lei 10.406/2002. CÓDIGO CIVIL. Art. 12. “Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.”
** Texto de Luciana Peretti para JUS Animal.